Iracema (José de Alencar)

O livro, subtitulado Lenda do Ceará, conta a triste história de amor entre a índia tabajara Iracema, “A virgem dos lábios de mel” e Martim, primeiro colonizador português do Ceará. Além disso,o assunto do livro é também a história da fundação do Ceará e o ódio de duas nações inimigas (tabajaras e pitiguaras). Os pitiguaras habitavam o litoral cearense e eram amigos dos portugueses. Os tabajaras viviam no interior e eram aliados dos franceses.
José de Alencar recorreu a circunstâncias históricas, como a rixa entre os índios tabajaras e pitiguaras e utilizou personagens reais, como Martim Soares Moreno e o índio Poti, que depois viria a adotar o nome cristão de Antônio Felipe Camarão. Mas cercou-os de uma fértil imaginação e de um lirismo próprio da poesia romântica.


Roteiro de Leitura

                Trata-se da história de um amor impossível entre a índia Iracema e o português Martim. Sobre a índia, o autor nos descreve a personagem dizendo “Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna...” . Era filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, e irmã de Caubi, um bravo guerreiro e caçador de montes e florestas. Por ser filha do pajé, Iracema guardava um segredo muito importante de sua tribo, e por isso, deveria se manter fiel ao deus Tupã, guardando sua virgindade. Se alguém a possuísse, ela morreria. Sobre isso ela diz que “o amor de Iracema é como o vento dos areais: mata a flor das árvores” . O segredo de jurema era um ritual religioso da qual só os guerreiros tabajaras faziam parte (Jurema é uma árvore que dá um fruto amargo. Os índios faziam um licor com ele que tinha efeitos alucinógenos semelhantes ao haxixe, que revelavam os mais profundos sonhos de quem o bebesse).

Um dia, a índia encontra alguém na selva e julga trata-se de um inimigo que “tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o triste das águas profundas...” . Atira-lhe uma flecha, mas se arrepende. “A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava”. E logo depois quebrou a flecha que havia lançado, já que segundo a tradição de sua tribo, o ato de quebrar a flecha, significava selar a paz entre as tribos ou entre guerreiros.
                Iracema leva-o até a tribo e Martim é muito bem recebido na cabana do pai dela, o Pajé, Araquém, com bebidas e comidas de boas vindas. Para a tribo, os estrangeiros são considerados sagrados e merecem toda hospitalidade. Ele se apresenta dizendo que habita a tribo dos pitiguaras, inimigo da nação tabajara, que fica no litoral e diz “meu sangue é o do grande povo que primeiro viu as terras de tua pátria”, numa alusão a Portugal. Iracema tinha uma jandaia, uma ave de estimação que sempre a acompanhava, mas desde que Martim apareceu, Iracema passou a não dar mais atenção a ela.
                Martim e Iracema conversam e confessam que estão apaixonados, mas que o amor deles é impossível, e por isso ele decide ir embora. Mas ela pede que ele fique e o leva até o bosque sagrado de Jurema, lhe dá o licor dos guerreiros e ele sonha, fruto dos efeitos da bebida. Os dois acabam se beijando “O lábio do guerreiro suspirou mais uma vez o doce nome e soluçou, como se chamara o outro lábio amante. Iracema sentiu que sua alma se escapava para embeber-se no ósculo ardente”.
                Porém, Iracema foge e acaba encontrando Irapuã, o chefe dos guerreiros tabajaras, que diz saber de Martim, e acaba declarando a ela seu amor. Ela o renega e por isso, ele ameaça matar Martim. O pajé era o único que poderia salvar Martim, e por isso ordena que ele espere em sua cabana: - “O hóspede é amigo de Tupã, (Deus do Trovão) e quem ofender o estrangeiro, ouvirá o rugido do trovão”. Irapuã diz que “o estrangeiro foi quem ofendeu a Tupã, roubando a sua virgem, que guarda os sonhos da jurema”. O Pajé responde em tom profético que “se a virgem abandonou ao guerreiro branco a flor de seu corpo, ela morrerá”.
                Enquanto isso, Iracema e Martim estão na cabana do pajé e ouvem o canto de uma gaivota, anunciando que o “irmão” de Martim, o índio Poti da tribo pitiguara, está por perto e veio para salvá-lo. Porém, o guerreiro branco não pode sair da cabana do pajé senão Irapuã irá matá-lo, e Poti não pode entrar na cabana porque é de tribo inimiga. Então, Iracema sugere que esperem o ritual da jurema “em que os guerreiros tabajaras passam a noite no bosque sagrado e recebem do Pajé os sonhos alegres”.
                Iracema decidiu dar a Martim o licor de jurema novamente para que ao menos nos sonhos eles pudessem ficar juntos. Porém, acabam passando a noite juntos “e como entre os arrebóis da manhã cintila o primeiro raio de sol, em suas faces incendiadas rutilava o primeiro sorriso de esposa, aurora de fruído amor... Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras”.
                Martim e Poti partem e Iracema decide ir com eles, pois ela diz que já é esposa de Martim “o guerreiro branco sonhava, quando Tupã abandonou sua virgem, porque ela traiu o segredo da jurema”. Partem logo, pois os guerreiros tabajaras despertaram e foram atrás deles. Porém, os pitiguaras também foram ao encontro deles, e as tribos acabam se encontrando. Iracema luta ao lado de Poti e Martim contra seus irmãos tabajaras e os pitiguaras vencem. Iracema estava triste, pois “o sangue que enrubescia a terra, era o mesmo sangue brioso que lhe ardia as faces de vergonha”.
                Eles vão embora com os pitiguaras e se instalam numa praia perto do morro de Mocoripe. Iracema agora se sentia feliz porque estava na companhia de seu amado e “achara ali nas praias do mar um ninho do amor, nova pátria para o coração”. Iracema comunica a Martim que está grávida “teu sangue já vive no seio de Iracema. Ela será mãe de seu filho!”. Martim fica radiante com a notícia.               
Logo depois, Poti e Martim partem para a guerra, pois Martim prometeu ajudar seu irmão sempre que este precisasse. Ganham a batalha e, na volta, Iracema percebe que Martim sente muita falta de sua terra “teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra de teus pais e busca a virgem, que te espera”. Ela sente-se muito triste por não ter mais o amor total de Martim e diz que “quando teu filho deixar o seio de Iracema ela morrerá... então o guerreiro branco não terá mais quem o prenda na terra estrangeira”.
                Os dois guerreiros partem novamente para a guerra, desta vez contra os holandeses que invadem as terras pitiguaras.  Iracema fica sozinha, começa a sentir muitas dores, e por fim, dá a luz a um menino. “Tu és Moacir, o nascido do meu sofrimento”. Ela se entristece porque Martim está longe e porque quando vai amamentar, não tem leite.
Martim e Poti voltam da guerra e encontram Iracema desmaiada. “Recebe o filho de teu sangue. Era tempo; meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe.” Iracema morre, cumprindo a profecia do pai. Ao pé de seu jazigo, a jandaia que nunca abandonara Iracema, repetia seu nome. “Desde então os guerreiros pitiguaras que passavam perto da cabana abandonada e ouviam ressoar a voz plangente da ave amiga, afastavam-se com a alma cheia de tristeza, do coqueiro onde cantava a jandaia. E foi assim que veio a chamar-se Ceará...”
                Com a morte de Iracema, Martim parte daquelas terras levando o menino consigo. “O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Seria a predestinação de uma raça?”. Martim e Poti continuam parceiros, e Poti recebe o batismo cristão, e torna-se Antonio Felipe Camarão.


Entendo melhor o livro

Lenda escrita pelo autor em um livro divido em 23 capítulos, numa homenagem ao seu estado de origem, o Ceará, como deixa claro na dedicatória (“À terra natal, um filho ausente”). No final do livro, descobrimos que aquela terra recebe esse nome, devido ao canto da jandaia de Iracema. Em tupi, Ceará vem de cemo (que significa cantar forte, clamar) e de ara (pequena arara ou piriquito).

As características principais do livro são:
- Iracema (em guarani, significa “lábios de mel”)
- Martim Soares Moreno (Martim vem do latim Marte, o deus da guerra)
- Poti ou Antonio Felipe Camarão (bravo guerreiro da tribo pitiguara, irmão de Martim)
- Irapuã (chefe dos guerreiros tabajaras, gostava de Iracema).
- Araquém (Pajé da tribo e pai de Iracema)
- Caubi (pertencente também a tribo dos tabajaras, era irmão de Iracema).
- Pitiguaras (tribo que habitava o litoral cearense e eram amigos dos portugueses)
- Tabajaras (Tribo que viviam no interior e eram aliados dos franceses).
- Tupã (o deus do trovão)

O foco narrativo do livro é em terceira pessoa com o narrador onisciente, que participa da história no início, como se alguém lhe tivesse contado a história. A palavra Iracema é um anagrama de América, demonstrando a intenção do autor em valorizar as origens nacionais, em contraposição às imposições de Portugal.
Trata-se de um texto épico em que José de Alencar narra os feitos heróicos dos portugueses na figura de Martim e Iracema; também é transformada em heroína, simbolizando as nossas origens históricas e étnicas (Moacir simboliza o primeiro brasileiro nascido da miscigenação entre índio e português). Ela é a heroína típica do romantismo, que padece de saudades do amante e da pátria que deixou (valorização do amor e do nacionalismo).

O amor de Iracema e Martim é difícil por vários motivos:
- ela é índia e ele é branco;
- ela é a guardiã do segredo de jurema (profecia);
- ele mora na tribo dos pitiguaras, inimigos dos tabajaras;
- ele tem uma moça que espera por ele em Portugal;
- Irapuã, o maior guerreiro da tribo, é apaixonado por ela.

O autor se utiliza de lirismo e de recursos descritivos para mostrar as belezas e exaltar sua terra. Isso se fará presente, não só nesse livro, mas em grande parte das obras de Alencar. Sobre Iracema, Machado de Assis irá dizer que trata-se de prosa em forma de poesia, por causa da valorização da natureza, dos adjetivos e da linguagem. Para exaltar a beleza de Iracema, o autor a compara sempre com a natureza daquelas terras.

                Iracema foi uma obra importantíssima na literatura nacional, e a temática desse livro continuou em diversos movimentos artísticos posteriores. Na literatura, através dos poemas de Olavo Bilac (Parnasianismo) e das obras de Mário de Andrade (Modernismo), e através das músicas de Caetano Veloso (Tropicalismo) e de Chico Buarque.