O Crime do Padre Amaro (Eça de Queirós)


Análise da obra


Publicado em 1875, O Crime do Padre Amaro de Eça de Queirós, é, simultaneamente uma obra-prima, um documento humano e social do país e de uma época, a expressão literária de uma realidade que a história confirma. A narrativa recria o coloquialismo português.

A ação da obra acontece em Leiria, interior de Portugal, onde é abrangido principalmente o ambiente de igreja, sacristia e casa de beatas. O autor ataca violentamente os vícios da sociedade da época e denuncia a hipocrisia burguesa e os abusos do clero.

Não há personagens livres da crítica ferina de Eça de Queirós, tanto no meio eclesiástico quanto no círculo de "amizades" e "devotas" que rodeia os padres. Quase todos os personagens são apresentados de forma sarcástica, irônica e crítica, sendo raras as exceções.

O Crime do Padre Amaro, introduz o realismo-naturalismo em Portugal. Eça de Queirós combate vivamente essa instituição da igreja católica, atacando dura e diretamente os jogos de aparências e o pseudomoralismo de que se costumam revestir certos dogmas e costumes religiosos. Este é o tema central deste romance. Paralelamente ao tema central, outros percorrem a obra como a contradição que existe entre o que os padres pregam e o que fazem de verdade. Outra denúncia que se faz, esta de ordem sócio-econômica, é a contraposição da pobreza à vida abastada dos clérigos. Mas a maledicência, a bisbilhotice, a futilidade, a superficialidade, o vazio interior da pessoas, o desejo do poder através da religião, o emprego da religião como força política e a crítica ao culto da aparência e da convenção também se fazem presente nesta obra de Eça de Queirós.

Personagens:

Amaro - protagonista do romance. Um jovem padre, bonito, mesmo um pouco curvado, de olhos negros, ambicioso. Tornou-se sacerdote sem ter a vocação para isso. Via maus exemplos de outros padres e deixando de lado seus escrúpulos, começou a agir como muitos dos seus colegas.

Amélia - filha da sra. Augusta Caminha. Jovem bonita, de pela alva e olhos muito negros.

João Eduardo - sujeito alto, bigodes que caem nos cantos da boca. É escrevente e nutre por Amélia uma paixão desmedida.

Cônego Dias - padre idoso, rico, influente, morador de Leiria, conselheiro e confidente do Pe. Amaro, de quem tinha sido professor de Moral no seminário; amante não declarado de D. Augusta Caminha, conhecida como S. Joaneira.

S. Joaneira - mãe de Amélia, chamada Augusta Carmina. Era chamada assim por ser nascida em São João da Foz.

D. Maria da Conceição - viúva rica. Tinha no queixo um sinal cheio de cabelos e quando sorria mostrava grandes dentes esverdeados.

D. Josefa - solteirona, irmã do Cônego Dias, com quem morava.

D. Maria Assunção - beata rica.

Conde de Ribamar - pessoa influente junto ao governo, casado com uma das filhas da marquesa que criou Amaro.

Libaninho - beato fofoqueiro, efeminado.

As senhoras Gansosos - duas irmãs, chamadas Joaquina e Ana. Joaquina era a mais velha, muito magra, de olhos muito vivos. A sra. Ana era muito surda, Nunca falava. Tinha muita habilidade em recortar papéis para caixas de doce.

Resumo

Por decisão da marquesa que o educara na infância, Amaro seria padre. Dois anos antes de ir para o seminário, ele passou a morar na casa de um tio pobre, que o punha para trabalhar. O período sofrido na casa do tio o animou a ingressar no seminário, ainda que fosse somente para ficar livre daquela vida. Às vésperas, porém, de mudar-se para o seminário, já não estimava tanto a idéia: tinha vontade de estar com as mulheres, de abraçar alguém, de não se sentir só. Julgava-se infeliz e pensava em matar-se. Às escondidas, na companhia de colegas, fumava cigarros. Emagrecia, andava meio amarelo. Começava a sentir desânimo pela vida de padre, porque não poderia casar-se.

No seminário, isolados da cidade e da convivência com estranhos, Amaro e seus colegas, na maioria não vocacionados para o sacerdócio, viviam tristemente. Amaro não deixara muita lembrança boa para trás. Mesmo assim, tinha saudades dos passeios, da volta da escola, das vitrines das lojas, onde parava para apreciar a nudez das bonecas.

Amaro não desejava nada, mas, influenciado pelos que queriam até fugir do seminário, ficava nervoso, perdia o sono e desejava as mulheres. A disciplina do seminário deu-lhe hábitos maquinais; interiormente, porém, os desejos sensuais moviam-se como um ninho de serpentes. Logo depois de ordenado padre, Amaro ficou sabendo que a marquesa havia morrido e não deixara herança nenhuma para ele. Foi nomeado para Feirão, região muito pobre, de pastores, quase desabitada. Ficou lá um tempo, cheio de tédio. Indo a Lisboa, procurou a Condessa de Ribamar, uma das filhas da marquesa que o educara. Ela lhe prometeu interceder por ele junto a ministro amigo do conde, seu marido. Uma semana depois, Amaro estava nomeado para Leiria, sede de bispado, apesar de ser padre novo – o ministro intercedera junto ao bispo.

Orientado pelo Côn. Dias, o novo pároco foi morar na casa da S. Joaneira, contrariando a opinião do coadjutor – padre auxiliar, pessoa de respeito mas sem influência – o qual havia ponderado que isso seria imprudente por causa de Amélia, poderia haver comentários maliciosos. O quarto do Pe. Amaro ficava no térreo, exatamente embaixo do quarto de Amélia, cuja movimentação ele podia ouvir nitidamente.

Na noite do primeiro dia de Amaro na casa da S. Joaneira, ela reuniu algumas velhas, João Eduardo e o Cônego Dias. Jogaram o lote. Por coincidência, Amaro e Amélia, sentados lado a lado, quinaram. O jovem padre ficou impressionado com a moça. Depois que todos saíram e os de casa se deitaram, Amaro foi buscar água na cozinha e viu Amélia de camisola. Ela se escondeu, mas não o censurou. No quarto, nervoso, atormentado pela visão de Amélia, Amaro não conseguiu rezar nem dormir.

Amélia também não dormiu logo e ficou recordando sua vida. Não chegou a conhecer o pai, militar, que morreu novo. Com 15 anos de idade, ela teve a primeira experiência de ser amada e de amar, quando passou umas férias na praia. Na véspera de o rapaz partir, ele a beijou sofregamente, às escondidas. Algum tempo depois, já em Leiria, ela soube que ele ia se casar com outra. Triste e acreditando não voltar mais a ter alegria, Amélia tornou-se uma beata e pensou em se fazer freira. Por esse tempo, o Côn. Dias e sua irmã Josefa começaram a freqüentar a casa em que Amélia morava. Falava-se muito da ligação do cônego com a mãe dela. Aos 23 anos, a moça conheceu João Eduardo, que chegou a falar em casamento, mas ela quis esperar até que o rapaz obtivesse o lugar de amanuense, a ele prometido.

Amaro estava se sentindo bem em sua rotina: celebrava a missa cedo para um grupo de devotas; à tarde e à noite deliciava-se na companhia doméstica da S. Joaneira e sobretudo de Amélia. Atraídos um pelo outro, estavam liberando os sentimentos. Na presença do noivo, porém, a moça nem olhava para o padre, o que lhe causava ciúmes.

Numa tarde, Amaro chegou sem ser esperado e flagrou o Cônego Dias na cama com a S. Joaneira. Ficou surpreso e saiu sem ser notado. Em contato com outros padres, ficou sabendo que eles tinham casos com mulheres.

Aos poucos, Amaro e Amélia começaram a demonstrar, um para o outro, seu envolvimento emocional. Ela se tornou totalmente apaixonada: acompanhava-o com os olhos sempre e, quando ele não estava em casa, ia ao quarto dele, colecionava os fios de cabelo que tinham ficado no pente, beijava o travesseiro. Tinha ciúmes dele ao saber que alguma mulher o escolhera como confessor.

Amedrontado com a evolução de seus sentimentos e temendo se deixar dominar pela paixão, Amaro pediu ao Cônego Dias que lhe arrumasse outra moradia, onde vivesse sozinho. Assim se fez.

Por sua vez, Amélia se sentia desconsolada pelo afastamento de Amaro. Depois de algum tempo, ele voltou a freqüentar a casa da S. Joaneira. Os dois não estavam conseguindo mais esconder a paixão recíproca. Enciumado, João Eduardo tentou apressar o casamento. Amélia estava enfastiada dele, mas tentou fingir-se apaixonada, para evitar escândalo. Mesmo assim, a paixão pelo padre falava mais forte.

Certa noite, indignado por ver Amaro segredar algo no ouvido de Amélia, João Eduardo redigiu e fez publicar no jornal de Leiria um artigo: “Os modernos fariseus”, no qual ele contava as imoralidades de alguns padres da cidade, inclusive do Cônego Dias e do Pe. Amaro, a quem chamou de sedutor de donzelas inexperientes. Os padres mencionados se enfureceram e passaram a investigar quem seria o autor.

Abalada com as possíveis repercussões do artigo e magoada com o que ela achou covardia de Amaro (depois do artigo ele sumiu da casa dela), Amélia aceitou marcar o casamento com João Eduardo.

De fato, Amaro se retraíra. Seus sentimentos estavam confusos; não teria mesmo coragem de assumir o amor de Amélia e abandonar o sacerdócio, mas crescia sua raiva contra João Eduardo.

Através da confissão da mulher do responsável pelo jornal, os padres vieram a saber quem havia redigido o artigo maldito. A vingança foi cruel: João Eduardo perdeu o emprego, por influência deles. Ao contar para Amélia quem fora o articulista, Amaro afirmou que não deixaria, em nome de Deus, que ela se casasse com um ateu. Ao dizer isso, pela primeira vez os dois se beijaram com paixão.

A moça desfez o noivado. Desolado, João Eduardo procurou apoio e não recebeu: ninguém queria manifestar-se claramente contra o clero.
Nesse meio corrompido, em que impera a hipocrisia, acaba por dar vazão a seus piores instintos. Assim, não hesita em trair os votos de castidade (esse foi o crime do padre), ao se transformar em amante da jovem Amélia, com quem encontrando secretamente, acabam por ter a notícia de que Amélia estaria esperando um filho.

Então, Amaro fica desesperado porque não pode se casar por ser um padre e tenta casá-la com Eduardo. No entanto, Eduardo já havia partido e não foi possível fazer-se o acordo.

Com isso, os dias se passam até que Amaro fez com que Amélia fosse para o interior cuidar da irmã do cônego Dias que estava doente. Ela teria que ficar por ali até o filho nascer.

Nesse tempo Amaro ficou tentando encontrar uma ama que pudesse criar o seu filho quando nascesce, e por indicação de Dionísia, ele acabou optando por entregar o filho a uma senhora que se chamava Carlota, que era “tecedeira de anjos”, pois todos os bebês que chegavam até ela, eram mortos (o livro não explica como ela os matava...).

Enfim chegou o dia e o bebê, que iria se chamar Carlos, nome dado por Amélia, nasceu. Imediatmente o entregaram a Carlota. Porém depois disso, Amélia começou a choramingar e a pedir que lhe tragam seu filho. O Doutor Gouveia manda  Dionísia distraí-la. Amélia então começa a sentir um peso na cabeça e a sentir faíscas diante dos olhos. E logo começou a ter convulsões. O Doutor Gouveia ficou ali tentando fazer alguma coisa para salvá-la, mas não adiantou. Amélia morreu.

Amaro quando soube, chorou muito e foi aí que tomou uma decisão. Iria voltar para Lisboa, levar consigo a escolástica, e educar lá a criança como sobrinho. Então resolveu ir até a casa da Carlota onde estava o filho. Chegando lá, Carlota disse que infelizmente a criança havia morrido...

Furioso de ódio, ele montou no cavalo  e pediu ordens ao vigário-geral  para ir embora. Escreveu ao cônego Dias e disse que iria embora acabar os dias nas lágrimas, na meditação e na penitência. e assim foi-se embora para Lisboa.

Tempos depois o Cônego Dias chegou à Lisboa e encontrou-se com Amaro. Deu notícias de todos e o lembrou-se da carta que Amaro havia escrito à ele onde dizia ir para o convento, passar a vida na penitência.

Simplesmente o padre Amaro encolheu os ombros e disse:
- “Que quer você, padre-mestre? Naqueles primeiros momentos... Olhe  que me custou! Mas tudo passa...”
- “Tudo passa, disse o cônego”.

O livro termina com os dois conversando junto as grades do monumento de Luís de Camões, juntamente com o Sr. Conde de Ribamar que aparecera.
‘Entre o largo onde se erguiam duas fachadas tristes de igreja, e o renque comprido das casarias da praça onde brilhavam três tabuletas de casas de penhores, negrejavam quatro entradas de taberna, e desembocavam, com um tom sujo de esgoto aberto, as vielas de todo um bairro de prostituição e de crime”.
- “Vejam, ia dizendo o conde: vejam todoa esta paz, esta prosperidade, este contentamento... Meus senhores, não admira realmente que sejamos a inveja da Europa!




Outras características:

  • No final do romance, Amaro, sem nenhum escrúpulo, livra-se de Amélia e da criança e parte para Lisboa.
  • Pode-se dizer que O Crime do Padre Amaro foi concebido como uma espécie de teorema. Amaro é hipócrita, corrompido, porque vive num meio  que não lhe permite desenvolver positivamente o caráter. Conclusão: irá se tornar um homem inescupuloso.
  • Portanto deve-se considerar que o alvo da crítica de Eça de Queirós, não é propriamente o padre Amaro, mas a sociedade que o criou e deformou. Por aí se vê que o romance de tese tem um fim moral: criticar o meio social que produz indivíduos como Amaro.
  • Se em O Crime do Padre Amaro o alvo da crítica era o clero, em O Primo Basílio, também de Eça de Queirós, o alvo da crítica era a burguesia.