Singularidades de uma rapariga loura (Eça de Queirós)


O narrador tratava-se de um viajante que chegado a uma hospedaria durante o jantar iniciou uma conversa com um homem que mais tarde veio ser apresentado como Marcário. O viajante perguntou a ele se ele era da Vila Real e tendo uma resposta afirmativa comentou que de lá vinham as mais belas mulheres. Marcário, em seguida, se calou e perdeu o sorriso se retirando da mesa.
Depois disso o viajante foi para seu quarto, o de número 3, que por coincidência era o mesmo de Marcário e foi ali na escuridão da noite que ele contou ao viajante a sua história.
Marcário trabalhava com seu tio Francisco, um caixeiro. Ele era um homem honesto, fiel ao seu trabalho, vivia uma vida simples e casta, mas que o satisfazia. Foi então que um dia viu no peitoral da janela defronte a do seu escritório uma linda mulher, pálida, vestida de luto e com lindos cabelos negros. Pensou nela o resto do dia e no dia seguinte, até que viu no peitoril da janela uma moça jovem, em seus vinte anos, diferente da outra que aparentava os quarenta anos, e esta era dona de também lindos cabelos loiros. Logo a julgou filha da mulher de luto.
Não demorou para que Marcário se apaixonasse pela vizinha. E assim já não era o mesmo, sempre desfrutando dos nervos que a paixão causava. Em um dia, as vizinhas, mãe e filha, como ele acreditava, foram à loja que ficava no andar térreo do prédio de seu tio. As duas procuravam por casimiras pretas, e a única justificativa para duas mulheres estarem procurando tal produto era o interesse em se aproximar de Marcário. Assim alegremente ele desceu e falou a elas sobre como aquelas casimiras eram de qualidade. Depois elas olharam alguns lenços da Índia.
Mais tarde, o tio Francisco disse ao sobrinho que lenços da Índia tinham sumido.
Seguidamente Marcário viu na rua um amigo, este retirou o chapéu de palha que levava para cumprimentar as duas senhoras que estavam no peitoril. Imediatamente Marcário foi ter com ele, perguntou-lhe se as conhecia, se eram boa gente, de boa família e se tinha meio de ele as conhecer melhor.
Logo Marcário começou a freqüentar o mesmo serão que elas, e em seguida a casa das duas. Foi em uma dessas reuniões que ele e Luisa – este era o nome da loira – se aproximaram. Em uma delas, um dos convidados exibia uma jóia que adquirira e a balançava no ar encantando Luisa. Em dado momento, a peça caiu no colo da menina, mas ninguém a encontrou.
Ao longo desses fatos, Marcário decidiu casar-se com Luisa. O motivo foi um beijo puro que deram. Pediu ao tio licença pra casar, surpreendentemente esse não permitiu e como o sobrinho insistia no casamento, Francisco o despediu como empregado e familiar. Assim Marcário, decidido, partiu da casa do tio levando seus poucos pertences e crente de que emprego não lhe faltaria, pois era bom empregado.
Começou em uma hospedagem, mas logo se mudou de lá. Não conseguia emprego! Os que conheciam seu serviço não o contratavam porque isso os levaria a romper as relações com o tio Francisco. Sendo assim, Marcário foi vendendo seus poucos bens até chegar ao dito estado de miséria. Por essa razão, ele passou a ver Luisa apenas durante a noite, porque assim ela não via o estado de pobreza que suas roupas demonstravam.
Foi então que o seu amigo do chapéu de palha lhe fez uma proposta: servir no Cabo Frio. Falou com Luisa pedindo que ela o esperasse e assim partiu, passou por muitas coisas muitas vezes desagradáveis, mas finalmente voltou e com fortuna feita. Assim, ele pediu a mão de Luisa e a mãe dela o aceitou de braços abertos.
Porém, o amigo do chapéu de palha lhe pediu uma alta quantia de dinheiro emprestado, e como foi ele quem o ajudou em outros tempos, Marcário se tornou fiador. Essa situação não perdurou, pois o tal amigo fugiu com uma mulher e o negócio, assim como Marcário, faliu.

Assim, com o casamento adiado, Marcário foi falar com o tio mais uma vez (em outro momento ele já tinha ido falar com ele). O emprego e tudo mais estavam ali disponíveis, mas ele só poderia voltar se fosse ficar solteiro. Então Marcário veio procurar o tio pela última vez: para dizer adeus. Surpreendentemente o tio o aceitou de volta e também o casamento. Os bons tempos voltaram e o casamento foi marcado para um ano depois.
Faltando seis meses para Marcário se casar, ele e Luisa foram comprar o anel de noivado, demoraram a escolher, mas por fim decidiram-se. Marcário voltaria no outro dia para buscar o anel que precisava ser ajustado. Saíram alegremente da joalheria, porém o dono da loja os chamou de volta e disse que Marcário tinha se esquecido de pagar, não o anel que buscaria no outro dia, mas o que Luisa estava levando com ela.
Em poucos segundos, Luisa, assustada, entregou o anel ao noivo que pagou o preço dele, afirmando que ela tinha só se enganado e que não fora nada, mas bastou que os dois ficassem sozinhos para que ele, ali mesmo na rua, desmanchasse o noivado: não se casaria com uma ladra.
E esse foi o desfecho da história contada por Marcário ao viajante.