A Relíquia (Eça de Queirós)


A ação centra-se em torno de Teodorico Raposo – o protagonista e narrador. Teodorico vivia com uma velha tia, rica e muito devota. Por influência de um amigo, Dr. Margaride, decide aproximar-se da tia e traçar uma estratégia para herdar a avultada fortuna da velha senhora. Para tal, mostra-se (falsamente) religioso e devoto. Então ele pede à tia que lhe financie uma viagem a Paris, mas esta recusa-se terminantemente afirmando que Paris era a cidade do vício e da perdição. Teodorico pede, então, para fazer uma peregrinação à Terra Santa. A tia consente e pede a ele que lhe traga uma recordação.
O sobrinho leviano parte e, na viagem, envolve-se com uma inglesa – Mary – que, como recordação dos momentos que passaram juntos, lhe dá um embrulho com a sua camisa de noite. Chegando à Palestina, Teodorico Raposo continua a sua vida profana e imoral. Mas, aí, tem um sonho no qual se imagina a assistir todo o processo de Jesus. Esta é a forma que Eça encontra para negar a verdade da ressurreição.
Antes de regressar, Teodorico lembra-se do pedido da tia e corta uns ramos de um arbusto tecendo com estes uma coroa, e o embrulhou guardando em sua bagagem. Entretanto, uma pobre mendiga aparece e pede-lhe uma esmola. Teodorico então deu-lhe o embrulho que (pensava ele) continha a camisa de Mary.
Chegando em Lisboa, ele relata hipocritamente à tia todas as penitências e jejuns que fizera durante a peregrinação e oferece-lhe o embrulho, dizendo que este continha a coroa de espinhos.
A abertura da suposta relíquia faz-se perante uma imensa audiência de sacerdotes e beatas, num ambiente de ansiedade. Qual o espanto de todos quando, em vez do sagrado objeto, surge a camisa de noite da inglesinha.
Este insólito episódio resultou na expulsão de Teodorico da casa da tia e também na perda da fortuna que ambicionava.
Para sobreviver, Raposo passa, então, a vender relíquias da Terra Santa, que fabrica em grandes quantidades, acabando por arruinar o negócio. E acaba por compreender a inutilidade da falsidade e da mentira quando tem uma visão de Cristo.

Análise da obra:
Romance de segunda fase, A Relíquia, de Eça de Queirós, publicado em 1887, nos dá uma visão pessimista do autor, de um Portugal demasiadamente conservador de que Titi é a principal representante; há também uma crítica ferina, contundente e cruel desta mesma sociedade portuguesa, ressaltando-se aí os defeitos do clero, o que já fora anteriormente feito em O Crime do padre Amaro (que faz também parte da segunda fase do autor). Desta vez, no entanto, a crítica é muito mais aguda e mostra as criaturas que fariam qualquer coisa por um pouco de dinheiro.

Principalmente neste romance o autor hostiliza os que ostentam o mundo de aparências; a própria D. Patrocínio, tão beata e tão piedosa, mas que, por discordar do modo de viver de um sobrinho "pecador', deixa-o morrer doente, sem atender-lhe os pedidos.

Estrutura da obra:
O romance está dividido em cinco grandes capítulos, todos inominados.

Foco narrativo:
O romance é narrado em terceira pessoa. O narrador é onisciente. Ele move-se lentamente pelo cenário, descrevendo detalhes mínimos de objetos ou vestuário, colocando o leitor dentro da cena de maneira realista. Esse apego à minúcia é outra marca de Queirós, que não pode ser esquecida.

Espaço / Tempo / Ação:
O espaço principal é Lisboa e, também, a Terra Santa para onde o narrador se dirige numa viagem patrocinada por Titi. O tempo da narrativa é cronológico e a narrativa linear, transcorrendo no período entre namoro de Luísa, a morte da mãe, o abandono pelo namorado, estendendo-se pelos dois anos de seu casamento com Jorge, até a viagem e volta desse.

A ação passa-se no final do século XIX:

Personagens:
Teodorico Raposo - Chamado por alcunha Raposão. Jovem hipócrita e interesseiro que se faz passar por beato para enganar a tia. Titi, e obter sua fortuna em testamento. E falso e mulherengo. Peregrina pela Terra Santa apenas para atender o desejo da tia e aproximar-se ainda mais de sua fortuna. Falta-lhe resíduo moral e decência mínima, já que não demonstra qualquer escrúpulo também em enganar as pessoas com suas falsas relíquias.
Dona Maria do Patrocínio (Titi): Senhora muito alta, muito seca, “carão chupado e esverdinhado’, beata, virgem e com aversão ao sexo. Dona de uma imensa fortuna, usava isto como motivo para atemorizar o narrador.

Crispim - Filho do dono da firma Teles, Crispim & Cia. Chamado ironicamente de "a firma". Tinha cabelos compridos e louros, e um comportamento homossexual durante a vida no internato. Acaba tornando-se patrão e cunhado de Teodorico.
Pinheiro - Padre frequentador dos jantares oferecidos por Titi. Triste, tem mania de doença e fica examinando sempre a língua no espelho.
Casimiro - Padre, procurador de Titi, vem sempre jantar com ela. Titi confia nele inteiramente.
Margaride - Homem corpulento e solene, calvo e com sobrancelhas cerradas, densas e negras como carvão. Foi amigo do pai de Teodorico em Viana, onde foi delegado. Foi juiz em Mangualde, mas aposentou-se depois de receber uma grande herança de seu irmão Abel. Tinha um gosto mórbido de exagerar as desgraças alheias.
Adélia - Amante de Teodorico, mas que era mantida por Eleutério Serra. Jovem interesseira, que acaba desprezando o protagonista por causa de sua obediência aos horários estipulados pela tia para chegar em casa e porque pouco consegue obter financeiramente. Acaba tornando-se amante do Padre Negrão, que recebe boa parte da herança de Titi.
Dr. Topsius - Alemão, formado pela Universidade de Bonn. Era um indivíduo espigado, magríssimo e pernudo, com uma rabona curta de lustrina, enchumaçada de manuscritos’. Tinha o nariz agudo e pensativo e usava óculos de ouro na ponta do nariz. Era patriótico, considerava a Alemanha a “mãe espiritual dos povos”. Apenas seu pigarro e a mania de usar a escova de dentes de Teodorico, desagradavam este último.
Mary - Amante que Teodorico arranja quando da viagem à Terra Santa, responsável pelo fato de Titi ter deserdado o sobrinho, por conta de uma camisola de rendas e de certo bilhete que nela havia pregado.
Padre - Negrão.
Vivência - Empregada de Titi.
Pote - Guia de Teodorico e Topsius em Jerusalém.
Justino - Tabelião de Titi.
Apedrinha - português encontrado no Egito como carregador de malas.